Olá colegas. Nesta edição da nossa newsletter, vamos nos aventurar no intrigante mundo dos Infartos do Miocárdio (IM), especificamente dissecando a diferenciação e entre o IAM Tipo 1 e o Tipo 2.
Apresentação clínica
Quando consideramos o IAM Tipo 1 (IAMCSST e IAMSSST), geralmente estamos lidando com pacientes para quem os sintomas isquêmicos são o motivo principal da vinda ao departamento de emergência, tipicamente sem evidência de doença não cardíaca aguda grave. Isso difere do contexto do IAM Tipo 2, que ocorre junto com uma doença não cardíaca aguda.
A apresentação clínica do Infarto Agudo do Miocárdio é, de fato, um espectro que varia de acordo com uma variedade de fatores, incluindo a extensão da doença cardíaca, a presença de comorbidades, a resposta individual do paciente e o tempo de apresentação desde o início dos sintomas.
A diferenciação entre IAM tipo 1 e tipo 2 pode ser desafiadora, dada a sobreposição de apresentações e a complexidade das condições que levam a cada tipo. Frequentemente, a gravidade da doença não cardíaca subjacente pode influenciar a probabilidade diagnóstica de um IAM tipo 2. Por exemplo, condições graves como sepse, anemia significativa ou hipoxemia severa podem criar um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio no coração, levando a um IAM tipo 2. Quanto mais grave a condição cardíaca subjacente maior a probabilidade de IAM tipo 2.
O ECG
O Eletrocardiograma (ECG) é uma ferramenta valiosa no diagnóstico e diferenciação entre Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) tipo 1 e tipo 2.
Os pacientes com IAM tipo 1 costumam apresentar alterações mais significativas no ECG, alterações sugestivas de oclusão coronariana aguda em evolução como o supra de ST ou ondas Ts hiperagudas são mais comuns num IAM tipo 1, já no IAM tipo 2 são mais comuns alterações que mostram evidência de isquemia subendocárdica e frequentemente o ECG é inespecífico. Apesar de até nenhum estudo ter provado que o ECG é a prova definitiva de IAM tipo 1, a sua análise detalhada pode ajudar na definição da probabilidade pré-teste e no melhor caminha diagnóstico e terapêutico a seguir.
O ECG acima é compatível com isquemia subendocárdica difusa, esse ECG numa apresentação clínica predominantemente cardíaca (dor anginosa em um paciente sem doença não cardíaca aguda grave) indica uma SCASSST de muito alto risco (IAM tipo 1), mas também pode estar presente em pacientes portadores de DAC estável grave em situações de grande stress fisiológico (IAM tipo 2). Consegue ver a importância do contexto clínico?
Um ECG com alterações graves, especialmente supradesnivelamento do segmento ST é mais sugestivo de IAM tipo 1. Se há sinais de oclusão coronariana aguda é prudente tratar o paciente, ao menos inicialmente, como IAM tipo 1, após o cateterismo se não houver trombose coronária ou outros sinais de que há uma lesão culpada o diagnóstico pode ser reconsiderado e redefinido como IAM tipo 2.
O ECG acima é diagnóstico de oclusão coronariana aguda, com o risco de perda irreversível de miocárdio a tendência seria encaminhar esse paciente para cateterismo de urgência. O contexto clínico ainda seria importante, mas com um ECG tão especifico teria menor peso na decisão.
Troponina
Quando o desequilíbrio isquêmico ocorre sem doença arterial coronariana (DAC) subjacente, a troponina geralmente permanece <0,5-1 ng/ml. No entanto, a troponina pode subir para níveis acima de 1 ng/ml se o desequilíbrio isquêmico for sobreposto a uma DAC estável subjacente. Sendo assim quando há suspeita de IAM tipo 2, a partir do contexto clínico de doença não cardíaca grave, níveis de troponina com menor elevação podem trazer mais confiança ao diagnóstico.
Um nível de troponina maior que 1 ng/ml é sugestivo de DAC obstrutiva, seja o insulto primário coronariano (IAM Tipo 1) ou não coronariano (IAM Tipo 2); o valor preditivo positivo para DAC é alto e se aproxima de 90%, especialmente na ausência de disfunção renal grave.
Tratamento do IAM tipo 2
O plano terapêutico para o IAM Tipo 2 é direcionado para o insulto primário (por exemplo, sepse, hipoxemia, anemia, hipertensão severa, taquiarritmias). A terapia antitrombótica aguda e a angiografia coronária não são justificadas neste cenário, afinal não há ruptura de placa, os estudos que demonstraram a eficácia dessas terapias foram realizados num cenário de IAM tipo 1. A estratificação de risco, por meio de testes de estresse ou angiografia coronária, é realizado eletivamente de preferência durante a mesma internação após a resolução do insulto aguda que causou o IAM tipo 2. Em alguns casos pode ser necessária a programação ambulatorial da estratificação de risco, especialmente se alto risco de sangramento e/ou disfunção renal importante.
A decisão de realizar um cateterismo e do momento correto de realizar o exame em um paciente com quadro compatível com IAM tipo 2 é individualizada, quanto mais graves as alterações de ECG, as alterações de contratilidade no ecocardiograma e a angina maior a tendência a realizar o exame mais precocemente.
Por exemplo, em um paciente com sangramento gastrointestinal e angina, o tratamento principal consiste em transfusão (se Hb menor que 8 mg/dL) e resolução do insulto gastrointestinal, por exemplo com a realização de endoscopia digestiva alta para cauterização endoscópica. Medicamentos antitrombóticos devem ser evitados por pelo menos alguns dias e, se possível, semanas. Dependendo do ECG, dos achados do ecocardiograma e da gravidade da anemia, o cateterismo pode não ser necessário. Um leve aumento do troponina sem anormalidades significativas no ECG, ocorrendo com anemia aguda e grave, pode não precisar de cateterismo num primeiro momento. Por outro lado, um aumento da troponina com um nadir de hemoglobina de 8 a 10 mg/dl e com alterações no segmento ST já seria tratado de forma diferente com tendência a realizar a estratificação invasiva.
Também tenham em mente que se a probabilidade de IAM tipo 1 for relativamente alta (sintomas típicos, alterações dinâmicas no ECG ou concentração muito elevada de troponina) e os riscos do tratamento forem baixos (baixo risco de sangramento ou de lesão renal induzida por contraste), então terapias antitrombóticas e imagem coronariana invasiva são prudentes, é preferível sobretratar um IAM tipo 2 do que subtratar um IAM tipo 1.
A diferenciação entre o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) Tipo 1 e Tipo 2 pode ser desafiadora devido à sobreposição de apresentações e complexidade das condições subjacentes. O Eletrocardiograma (ECG) desempenha um papel importante na diferenciação, com alterações graves, como supradesnivelamento do segmento ST, sendo mais sugestivas de IAM Tipo 1. A troponina também é um marcador relevante, com níveis mais elevados geralmente indicando DAC importante e necessidade de estratificação mais precoce. O tratamento do IAM Tipo 2 concentra-se na abordagem do insulto primário, enquanto a terapia antitrombótica e a angiografia coronária nem sempre serão realizadas. As decisões de realizar um cateterismo e de iniciar a terapia anti-trombótica são individualizadas, levando em consideração o contexto clínico, o ECG, os marcadores e o ecocardiograma.
Espero que este episódio sobre os diferentes tipos de Infarto Agudo do Miocárdio tenha sido esclarecedor e útil para o aprofundamento dos seus conhecimentos. Desejo a todos uma excelente semana, repleta de aprendizado e conquistas.
Dr Victor Bernardino, até breve
Referência:
DeFilippis AP, Chapman AR, Mills NL, et al. Assessment and Treatment of Patients With Type 2 Myocardial Infarction and Acute Nonischemic Myocardial Injury. Circulation. 2019
Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, et al. Fourth universal definition of myocardial infarction. J Am Coll Cardiol 2018.
Alcalai R, Planer D, Culhaoglu A, et al. Acute coronary syndrome versus nonspecific troponin elevation. Arch Intern Med 2007.
Nestelberger T, Boeddinghaus J, Badertscher P, et al. Effect of definition on incidence and prognosis of type 2 myocardial infarction. J Am Coll Cardiol 2017.
Chapman AR, Shah ASV, Lee KK, et al. Long-term outcomes in patients with type 2 myocardial infacrtion and myocardial injury. Circulation 2018